Desvendando as escalas de tempo de formação dos núcleos galácticos
Representação artística de um núcleo ativo de galáxia (sigla AGN, em inglês) com jatos. (Crédito: ESO, Courtesia: Aurore Simonnet, Sonoma State University.)
Recorrendo a Unidades de Campo Integral para Espectroscopia 3D (IFS) do rastreio CALIFA, investigadores do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA) obtiveram um importante resultado acerca da natureza e formação do núcleo das galáxias espirais, como a Via Láctea. O resultado foi publicado no último da revista Astronomy & Astrophysics.
O projeto precisou de vários anos e bastante poder computacional, para analisar aproximadamente meio milhão de espectros provenientes de uma amostra com todos os tipos de galáxias espirais. A equipa conseguiu medir, pela primeira vez, a variação da idade das estrelas, do centro para a periferia do núcleo galáctico e perceber como é que essa variação se relaciona com outras propriedades da galáxia, como a existência de núcleos ativos de galáxias (sigla AGN, em inglês) ou a massa total de estrelas da galáxia.
Este trabalho revelou que a população estelar no centro das galáxias espirais mais massivas é mais velha do que velhas do que as estrelas localizadas na periferia do núcleo (também conhecido por bojo), enquanto nas galáxias de menor massa acontece o oposto – as estrelas mais jovens povoam o centro do bojo e as mais velhas estão na periferia deste.
Este resultado parece concordar com um estudo prévio da equipa, que já tinha encontrado fortes evidências de um cenário unificado para a formação de galáxias espirais. Em oposição à teoria mais aceite, as galáxias espirais de pequena e grande massa parecem formar-se da mesma maneira, com as mais massivas a atravessarem a mesma etapa evolutiva mais cedo e mais rápido do que as menos massivas.
Os dados podem ser usados para determinar o impacto que os núcleos de galáxias ativos têm na evolução do bojo (e por consequência, da própria galáxia). O facto da massa do núcleo estar fortemente relacionada com a massa do buraco negro supermassivo que alimenta o AGN, aponta para uma estreita ligação entre o crescimento da galáxia e o crescimento do buraco negro. Assim, compreender de que maneira se forma e evolui o núcleo das galáxias é indispensável para a compreensão da formação de buracos negros supermassivos durante a época da Reionização7 e como é que influenciaram a evolução das galáxias.
De acordo com a investigadora do IA Iris Breda, a primeira autora do artigo: "Há várias lições importantes a retirar deste estudo, sendo a mais relevante que os bojos das galáxias mais massivas não se podem ter formado num único surto de formação estelar, como é habitualmente aceite. Pelo contrário, estes resultados apontam para um cenário em que os núcleos estelares se foram formando gradualmente, ao longo de 2 a 4 mil milhões de anos."
Breda, que desenvolveu a maioria deste trabalho durante o seu recém-concluído doutoramento no IA e na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, conclui que: "Tendo em conta os nossos resultados anteriores, este estudo suporta a hipótese de que galáxias menos massivas, que estão neste momento ativamente a formar estrelas no seu centro, parecem-se atualmente com versões em menor escala das galáxias de maior massa aquando nos seus estágios iniciais de evolução."
Para o Investigador FCT Polychronis Papaderos, líder da linha temática A história da formação de galáxias resolvida no espaço e no tempo do IA: "Um AGN consome o gás frio do núcleo, desligando a formação estelar, primeiro no centro e com o passar do tempo, também na periferia. Este fenómeno traduz-se num decréscimo da idade das estrelas, do centro para a periferia do núcleo. Tirando partido disto, inventámos um método para calcular a velocidade média da extinção da formação de estrelas pelo AGN. A velocidade relativamente baixa que calculámos (1-2 km/s) mostra que o aumento da atividade do AGN não dá origem a uma remoção cataclísmica do gás e consequente extinção abrupta da formação estelar no núcleo."
A participação do IA na linha da frente de rastreios na banda rádio, como o "Evolutionary Map of the Universe" (Mapa Evolutivo do Universo - EMU), fornece as condições ideais para um estudo com detalhes sem precedente da interação entre o AGN e o gás envolvente do núcleo galáctico, através de interferometria rádio. Isto vai permitir à equipa procurar jatos de pequena escala na banda rádio nos núcleos das galáxias, que podem ter passado despercebidos em observações anteriores.
O estudo dos núcleos ativos de galáxias desde a era da reionização e o seu impacto na evolução das galáxias constitui um dos principais eixos de investigação do IA.
Para o coordenador do IA José Afonso (IA & Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa): "Os detalhes finos da formação e evolução de galáxias estão finalmente a ser expostos, graças à combinação de observações sem precedentes com modelos e ferramentas computacionais revolucionárias. Estas técnicas serão em breve elevadas a um novo patamar, quando instalarmos o poderoso espectrógrafo MOONS no Very Large Telescope, do ESO. Vamos ter acesso a observações detalhadas de milhões de galáxias desde os primórdios da evolução das galáxias, quando o Universo tinha menos de metade da idade atual. Os investigadores do IA vão lá estar, a explorar essas novas observações e a contribuir para uma melhor compreensão de como se formaram as galáxias."