Três regiões do céu eleitas para mergulhar no Universo profundo
Investigadores do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA) participaram na escolha e validação de três regiões escuras do céu para as observações profundas do Euclid, a missão da Agência Espacial Europeia (ESA) que irá penetrar no lado escuro do Universo. As regiões, uma no hemisfério celeste norte e duas no hemisfério celeste sul, foram anunciadas no encontro anual do Consórcio Euclid, em Helsínquia, Finlândia, e divulgadas pela ESA.
A missão Euclid, com lançamento previsto para 2022, irá permitir o estudo da forma e da posição tridimensional de milhões de galáxias. Deste modo, os investigadores esperam mapear a distribuição espacial da matéria escura, e também lançar luz sobre o passado, presente e futuro da misteriosa energia escura que, inexplicavelmente, impele a expansão acelerada do Universo.
O Euclid irá observar mais de um terço do céu, mas 10% do tempo de observação será utilizado para analisar a fundo três regiões especiais, cuja localização e forma de observar foram agora anunciadas. Em conjunto, equivalem a 200 vezes a área da Lua cheia e situam-se perto dos polos da eclíptica, por serem zonas que o Euclid poderá observar durante praticamente todo o ano sem a interferência do Sol. Cada uma destas regiões será visitada, no mínimo, 40 vezes, esperando-se encontrar objetos extremamente ténues escondidos nessas janelas escuras do passado cósmico.
“Estes ʻcampos profundosʼ foram cuidadosamente escolhidos para conter o mínimo de luz de estrelas da Via Láctea, de poeiras do meio interestelar, e de brilho de poeiras do Sistema Solar, tudo componentes que obscurecem a luz de fontes ténues, ou afetam a sensibilidade das observações”, diz Ismael Tereno, do IA e da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL), e membro do grupo de rastreios do consórcio.
Observadas a olho nu, estas regiões parecem desinteressantes, porque são praticamente desprovidas de fontes de luz da nossa galáxia. Prevê-se porém que os atuais catálogos de galáxias longínquas e de núcleos ativos de galáxias sejam aumentados de milhares destes objetos com o legado do Euclid.
Mas observações nestes campos profundos vão sobretudo validar o trabalho central da missão no rastreio global em vários domínios da Cosmologia, como as lentes gravitacionais ou a agregação de galáxias ao longo das estruturas de larga escala do Universo. Permitirão ainda monitorizar a estabilidade e assegurar a calibração dos instrumentos ao longo do tempo de vida do telescópio.
“O papel do IA foi o de construir planos de observação geometricamente compatíveis com os constrangimentos do instrumento, verificando que essas áreas do céu com interesse científico são exequíveis dentro do plano da missão”, diz João Dinis, do IA e da FCUL, e membro do grupo de rastreios do Consórcio Euclid. “Observar repetidamente estes campos profundos colocou um enorme desafio e requereu uma grande dose de criatividade e perseverança, dado que, ao longo da órbita do telescópio, dois dos campos têm janelas de visibilidade muito reduzidas”.
A participação portuguesa na missão Euclid é coordenada pelo IA e conta com mais de 20 cientistas, de diferentes instituições. “O planeamento de rastreios é a principal tarefa que sustenta a participação de Portugal no Consórcio Euclid, e é essencial para garantir a qualidade dos dados necessária para os objetivos científicos da missão”, sublinha António da Silva, do IA e da FCUL, membro da Direção do Consórcio Euclid e também membro do grupo de rastreios do consórcio.
Os dados obtidos pelo Euclid vão ser usados em várias outras áreas da Astronomia. Para o coordenador do Legado Científico no consórcio, Jarle Brinchmann, do IA e da Universidade do Porto, “o Euclid irá fornecer a visão do céu de referência em alta resolução durante muitos anos, e os campos profundos do Euclid permitirão aos cientistas sondar o Universo até às suas primeiras épocas.”
As atividades nacionais nesta missão estão enquadradas num acordo multilateral assinado em 2012 pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT). A recém criada agência espacial portuguesa, Portugal Space, assumiu o papel da FCT como a agência nacional e participa no comitê de direção (steering committee), composto por representantes de agências nacionais e da ESA.